Humilde, altruísta, ansiosa e emotiva.
65 anos, católica praticante, mãe de quatro e avó de sete.
Compaixão é a sua virtude mais evidente. Se compadecer do sofrimento alheio é a qualidade pela qual a identificam.
Uma mulher de muita, muita fé, forte e perseverante.
Essa é a Dona Maurilia, minha mãe.
Mineira, aos 6 anos saiu de Minas pra trabalhar em uma plantação de algodão em São Paulo. Ela e os irmãos ajudavam meus avós na colheita, com um saco na cintura, embaixo de sol forte, de manhã até a noite cumpriam a jornada sem esmorecer.
Com 10 anos começou a trabalhar de domestica ainda em São Paulo, e aos 15 anos veio pra Brasília. Aqui, continuou trabalhando em casa de família e assim se mantem até hoje.
Casou e teve seus 4 filhos. Se manteve casada por 25 anos, um casamento com muitos sofrimentos pontuais.
Aos 24 anos foi diagnosticada com otoesclerose – doença que compromete a transmissão dos impulsos auditivos para o cérebro. Ou seja, foi perdendo a audição gradativamente e hoje só conta com 20% da capacidade de ouvir.
Começou muito cedo a ter problemas de saúde. Diagnosticada hoje com artrose na coluna, hérnia de disco, reumatismo, fibromialgia e osteoporose.
Sempre se empenhou ao máximo pra nos propiciar condições de vida digna. Estudou até a 4° série, e pra ela educação era a única coisa de valor que podia nos dar. Por isso, incansavelmente não media esforços pra nos poupar de qualquer coisa que nos tirasse desse caminho.
Eu sou a caçula e fui a única que usufruiu da presença da minha mãe em casa, enquanto criança (até os 4 anos), meus irmãos não tiveram o mesmo privilegio, pois ela tinha que trabalhar. Após os meus 4 anos ela voltou a jornada insana de trabalho e meus irmãos, que já eram adolescentes se responsabilizavam por mim em sua ausência.
Notadamente essa é a típica historia da mãe solo (mães que são as principais ou as únicas responsáveis pela criança), que se priva desmedidamente de si para trabalhar, sustentar os filhos e garantir um futuro digno.
Durante a nossa troca, ela diz que sente saudade da sua juventude, das amigas que fez nesse período, de como se divertia naquela época. Sente saudade dos filhos que moram fora do Brasil.
Incluir minha mãe nesse trabalho me fez adentrar espaços desconhecidos. Descobri nela um saudosismo eminente, um contexto nostálgico. Acho que nunca falamos disso antes, na verdade nunca falamos de coisas tão importantes pra ela antes. Muitas coisas aqui expostas eu não tinha conhecimento. Estranho isso ne? Convivo com ela a 34 anos e não sei detalhes tão importantes sobre a sua trajetória.
Ela é meu maior parâmetro fé. É um exemplo evidente e constante pra mim e meus irmãos, ela exala confiança em Deus. Teoricamente ainda é casada (no papel), mesmo que já separada a 23 anos e abriu mão de se relacionar novamente, pois acredita piamente no “até que a morte os separe”. Isso mostra o quão temente ela é aos preceitos de Deus, é a forma de retribuir a Ele por todas as graças recebidas, e assim o faz, com a sua vida.
Sempre diz que seus filhos são sua razão, mas estão em segundo lugar, Deus ocupa o primeiro.
Escolhemos um lugar simples.
Ela não quis fazer nu
– Filha, foto sem roupa não tem nada a ver comigo, disse.
E como aqui o nu não é uma regra, não fizemos.
Optei por fazer tudo da forma mais descomplicada possível, porque ela é assim, simples.
Nos divertimos. Ela gargalhou e fez pose, sem timidez nenhuma.
Eu insisti bastante pra que ela participasse do Estação, mas não imaginava que seria tão poderoso. Estou orgulhosa dela por ter se permitido despir pra mim, e pra as pessoas que acompanham esse projeto. E sou orgulhosa da mulher que ela é.
Batalhadora, resiliente e perseverante.
Mesmo com todas as dores que sente diariamente, não acorda um dia sequer com pesar no semblante por ter que sair pra trabalhar. Pelo contrário, é grata pela oportunidade de viver e ter trabalho.
A gente tenta de diversas formas aliviar as dores que ela sente, com tratamentos e muitas massagens diárias, mas sabemos que as dores persistem. Eu sei que não existe um dia sequer que ela não sinta dor, e fico imaginando como é isso, se eu aguentaria, se é possível viver assim. Pra ela é possível, pra mim talvez não.
Dedicada, perfeccionista e responsável.
Me ensinou que a gente tem que ser o melhor no que faz, independente do que faça. E ela é a melhor domestica que eu conheço, é a melhor na sua profissão, é a melhor do meu mundo.
Sensível, afetuosa e sentimental.
Se compadece fácil, sofre pela mãe que perdeu o filho no noticiário da TV, fica sem dormir, chora… Se vê um acidente com vitima durante o trajeto até o trabalho, já era, acabou o dia. Fica pensando em quem era a pessoa, na família da pessoa, nos sonhos que essa pessoa não pode realizar por ter sua vida pausada ali. É surreal!
A gente briga, reclama porque ela não pode se deixar consumir assim, mas ela é assim. E a gente tem aprendido a respeitar isso.
Essa é a minha mãe, uma joia rara que eu tenho lá em casa. Uma joia que foi lapidada pela vida, por uma sequencia de acontecimentos dolorosos e por uma serie de conquistas, ainda que pequenas pra gente, mas enormes pra ela.
Essa é a mulher que eu encontro todos os dias de manhã, ainda de pijama, fazendo café antes de ir trabalhar.
A mulher que rigorosamente ao acordar vai ate um cantinho preparado com as nossas fotos (filhos e netos) pra nos consagrar a Nossa Senhora e interceder a Deus pelo nosso dia.
É a mulher que encontro no sofá da sala, com o terço na mão rezando o rosário entre um cochilo e outro.
É a mulher que adora rosquinha mabel mergulhada no leite e que sempre come a salada antes da comida, e com muito azeite.
É a mulher que se alegra e é grata por pequenas coisas. Lembro disso quando a anos atras ela colocou cerâmica na casa inteira.
Esse foi um texto muito difícil de escrever. Eu quis colocar nesses espaços tudo o que eu consigo enxergar nela e tudo que eu sinto por ela, mas falhei miseravelmente, rs.
Tem coisas que ultrapassam nosso entendimento, e se não entendemos, dificilmente conseguiremos comprovar. É esse caso aqui. Existe um sentimento vasto por ela, uma gratidão gigante pela contribuição dela com a mulher que eu me tornei e por todos as mensagens que consigo captar nas entrelinhas da nossa relação, mas não consigo tornar isso público da forma que eu gostaria.
Sou grata pela oportunidade de vivermos juntas, de compartilhar da mesma rotina, de vê-la religiosamente fazendo as mesmas coisas todos os dias e de forma tão impecável, sempre.
Não teria sentido algum dar continuidade nesse projeto sem incluir a figura de mulher guerreira, de luta e resiliência mais significativa pra mim. Conheçam a minha mãe!
17/01/2019