Determinada, sincera e amável.
Forte. Muito forte!
Nick tem 24 anos e somente aos 21 conseguiu se entender como mulher trans e iniciou seu processo de transição.
Rainha LGBT do Gama/DF, certificada pela ONU na formação sobre igualdade de direitos para comunidade LGBTI, modelo e vendedora.
A priori, é importante entender que mulher trans é a pessoa que se identifica como sendo do gênero feminino embora tenha sido designada como pertencente ao gênero masculino ao nascer. É uma identidade feminina e é assim que elas devem ser tratadas, no feminino.
Antes de continuar, gostaria de frisar que pouco me importa o motivo que a levou a se tornar uma mulher trans. O que me importa aqui é fazer com que ela se sinta confortável com seu corpo e com sua escolha, e possa viver plenamente e sem medo por conta de qualquer desconforto social.
Nick entende que desde criança já se sentia mulher, mas por opressão da família passou uma vida tentando se adequar ao que eles exigiam que ela fosse, deixando tudo o que sentia guardado para si. Ela percebeu isso sozinha, quando teve acesso a ajuda psicológica já havia compreendido que era uma mulher trans.
Aos pouco e com muita luta, ela conseguiu mostrar para a família e amigos próximos que seu caráter enquanto pessoa não dependia da sua identidade de gênero. Hoje, boa parte da família já aceita chama-la por Nicole, o que para ela é importantíssimo.
Durante a iniciação do seu processo de transição, não conhecia nenhuma outra mulher no mesmo contexto, isso contribuiu muito para que a solidão fosse latente. Ela não tinha com quem compartilhar suas angustias e dúvidas.
A solidão se estende para os relacionamentos, ela se sente amada pela família, mas não se sente acolhida por inteira. Nos relacionamentos amorosos é comum as mulheres trans encararem a dificuldade de o parceiro não estar disposto a assumir essa escolha para a sociedade, por medo das represálias.
A passibilidade é um fator decisivo para diminuir a solidão em vários aspectos.
Passibilidade, em resumo, é quando a pessoa trans é lida pela sociedade como se fosse cis.
Ou seja, quanto mais uma mulher trans se parecer com uma mulher cis, mais rapidamente ela será aceita e inserida em um ambiente. Curioso o quanto nossa imagem define, a priori, quem somos e os lugares que podemos ocupar.
Historicamente a identidade travesti foi silenciada por anos e hoje através de trabalhos como esse e de um espaço nas mídias (ainda pequeno), está acontecendo um resgate em vários aspectos da sociedade e elas tem conseguido ocupar lugares que são seus por direito.
Importante ressaltar que a identidade travesti foi sim silenciada, mas não apagada. Isso porque elas existem e resistem diariamente.
É importante também estimular diálogos sobre todas as identidades de gênero, que fujam do padrão cis, para que o convívio seja natural, sem preconceitos, e a pluralidade aconteça.
Resistência é o que as move!
Somente esse ano (2018) a transexualidade foi retirada da lista de doenças mentais. Antes poderia ser tratada com uma patologia com indicações de tratamento ou cura, desrespeitando assim a diversidade sexual dos seres humanos.
Isso se deve a luta das entidades LGTBI que passaram anos reivindicando que a transexualidade é um transtorno de identidade de gênero, e saísse do compartimento das doenças mentais e entrasse no de comportamentos sexuais.
As questões sobre gênero e seus termos são muito confusas, e isso é mais estrutural do que particular. As pessoas estão fechadas a entender o que é novo, mas se abrir a subjetividade e a identidade feminina da travesti é um caminho que deve ser percorrido por todos nós.
Diariamente, mulheres trans são expostas a ameaças de morte, extorsão, assédio, violência física e verbal. Uma serie de atitudes, sentimentos ou ações negativas – transfobia – se materializam, por conta de uma intolerância iminente.
Em 2017, a taxa de homicídios de pessoas transexuais foi a maior registrada nos últimos dez anos. As motivações mais usuais dos atos de violência são o desprezo e/ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre seus corpos – que desafiam a norma, comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino.
Essa é a realidade de um país onde a expectativa de vida de uma mulher trans é de 35 anos, ou seja, metade da média da população brasileira. Triste!
Nick se reafirma mulher trans todos os dias, e resiste com orgulho.
Trabalhos como esse chegam para enfatizar a diversidade. A representatividade é fundamental para o resgate dos seus espaços, e se tratando de um projeto sobre mulheres, suas histórias e lutas, eu não poderia deixar de incluir uma mulher trans.
A Estação dela é a quietude, um lugar onde a calma seja constante. Escolhemos um local distante, imerso a natureza.
Escolhi trabalhar com luz e sombras pontuais para remeter os dois estágios da sua vida, sendo a luz a descoberta da sua identidade de gênero.
Para Nick, parecia ser inalcançável se tornar mulher e hoje a mulher que se revela é a sua maior conquista. O maior motivo da sua luta hoje é disseminar conhecimento para que pessoas LGBTI não sofram com a falta de informação e ignorância alheia.
Dentre seus medos, ficar só é o mais presente.
Eu conheci uma mulher extremamente forte, apegada às suas convicções, emponderada e linda. E quis a inserir nesse contexto para lembrar que ela integra o meio, independente da forma. Em meio ao verde, ela é parte.
Foi diferente para mim a experiência de descrever em imagens uma mulher trans, e me sinto privilegiada pela entrega e sintonia que veio dela para mim. Éramos só nós duas, nos aventurando em cada pedaço daquele lugar, entre água, arvores e luz.
Um entendimento singular das duas partes e um respeito pelos limites de cada uma acontecendo constantemente.
Meu desejo é que a sua luta seja acolhida e seu ativismo valorizado.
Foi um prazer te conhecer de dentro pra fora.
12/11/2018