Ariana, 32 anos, mãe, fotógrafa.
Dona de um sorriso brilhante que deixa à mostra todos os dentes e o comecinho da sua alma. Mulher honesta, intensa, de um astral leve, diálogo aberto e consciente.
Por ser do tipo de pessoa que escuta as outras com interesse e curiosidade, o primeiro encontro com a Juliana é marcado por sutileza e compreensão. E quem permanece na superfície de seu admirável sorriso, não imagina o quanto essa forte mulher carrega e suporta dentro de si, tampouco o quanto ela luta para ressignificar a sua presença no mundo.
Eu tive o privilégio de ouvir e conhecer boa parte da sua história até aqui. Uma história permeada por abusos e abandonos.
Seu pai biológico não reconheceu a paternidade. Ainda criança e durante a adolescência, sofreu diversos abusos cometidos por pessoas muito próximas.
Entre um ultraje e outro, ela sinalizava o acontecido na intenção de cessar as recorrentes violações, mas sua voz não era ouvida, e por vezes foi tida responsável por tudo que estava vivendo, o que criava uma situação que a enfraquecia ao passo que trazia culpa, medo e vergonha. Isso é comum em casos de abusos e aumenta impunidade dos abusadores.
Algumas dessas lembranças estavam adormecidas em seu inconsciente e só vieram à tona muitos anos depois. Memórias que chegaram com força e nitidez até mesmo sobre cheiros, detalhes de lugares, de seu corpo ainda infantil violado sem consentimento algum.
Em 2014, ela perdeu seu pai, o homem que a reconheceu como filha e criou, e que se tornara seu melhor amigo, cuja morte gerou uma dor profunda. Dois dias depois, ela engravidou. E se uma parte sua sentia uma dor incessante pela perda do pai, uma outra parte exaltava de felicidade por estar gerando uma vida. 
Ao longo da gravidez, num mergulho intenso no que significava pra ela ser mãe, desfez-se de quem fora até ali: roupas, bijuterias, sapatos, rotina, prazeres e tudo mais que indicava sua personalidade. Na cabeça dela, ser mãe era a única coisa que seria dali pra frente, e isso causou uma perda grande de si mesma, o que acabou resultando, junto com outras coisas numa depressão pós-parto longa, diagnosticada apenas quando sua filha já tinha 1 ano e 4 meses.
Assim, mesmo com tantas marcas ela aprendeu a ser resiliente, como uma fênix capaz de transportar pesadas cargas durante seu voo.
E chegou Maria Flor, enfeitando seus dias e sendo constantemente seu gatilho pra ser melhor, enquanto mãe e mulher.
E a fotografia, que já era um ofício dela, veio também como um respiro e como uma forma de  se reencontrar consigo mesma
Foi mesmo um privilégio conhecer e sentir a história da Ju, repito isso porque me beneficiei demasiadamente com essa troca. Adentrei dores pouco compartilhadas por ela, sofri com cada abuso relatado, e no fim compreendi e me encantei com uma mulher de essência pura, livre e genuína.
Mulher não perfeita, em formação, que se cobra e penaliza constantemente, mas tenta se amar e aceitar.
Mulher que não intitula seus adjetivos como qualidades ou defeitos, mas entende que são características singulares da sua personalidade.
Mulher compreensiva. Interpreta que cada marca no seu corpo compõe a mãe, filha e amiga que ela é hoje.
Mulher que gestou, pariu e sofreu. Sofreu muito! Mas não desistiu, e se mantém de pé, afirmando suas convicções pro mundo, se empoderando e buscando uma vivência livre de padrões patriarcais.
Durante todo o processo e em especial ao retratá-la, senti uma mulher composta por luz e sombras, e vi beleza em cada detalhe seu. Cada traço tatuado em seu corpo forma um mosaico colorido que se apresenta fascinante e adorável.
Aqui deixo meu carinho e uma gratidão imensa pela sua doação, por confiar a mim o privilégio de te escutar e poder apresentar a tantas outras mulheres em situação semelhante uma história tão forte e poderosa.

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