Empática ao extremo, leal e sincera.
Prolixa, desconexa e criativa.
Aquariana ansiosa, por muitas vezes desorganizada e com a mania de querer levar o mundo nas costas.
Comunicadora, fotografa, 26 anos e mãe da Maria e do Matheus.
Essa é a Priscila hoje.
A Priscila de antes, se deparou com uma gravidez indesejada aos 15 anos de idade. Já vivia a dois anos num relacionamento abusivo com um homem oito anos mais velho que ela. A adolescente que nunca tinha se relacionado com alguém antes, se sentia “abençoada” por estar com um homem mais experiente, responsável e aparentemente mais centrado. E isso a todo tempo era confirmado pelas pessoas da igreja em que eles frequentavam.
“Homem bom, de família, consagrado… Que sorte a dela!”
Ela confiava cegamente que relacionamentos eram daquela forma, pois não tinha tido ainda nenhum parâmetro para pensar diferente.
Proibições e desconfianças se tornaram muito frequentes, o que a fez se afastar de pessoas que gostava.
– Não é ciúmes, é cuidado! Faço isso porque te amo – dizia ele.
Sua realidade naquele momento era de uma adolescente gravida vendo seu corpo mudar radicalmente, notando marcas indesejadas sem conseguir processar o porquê de tudo acontecer tão rápido. Por dentro, um turbilhão de sentimentos mal compreendidos e a falta de se sentir realmente amada. Gestante, num ambiente totalmente prejudicial, sendo a todo instante subjugada e dominada.
As agressões físicas eram “leves”, mas os abusos psicológicos e sexuais eram frequentes a ponto de ter suas roupas vasculhadas diariamente em busca de algo que provasse que ela estivesse o traindo. É isso, ela tinha 15 anos, estava gravida e mal saia de casa, mas para o abusador ela poderia estar sendo infiel sim.
O abusador é o cara gente boa, que conversa bem, que demonstra seu afeto desmedidamente na frente dos outros.
O abusador é o cara que te olha nos olhos e a convence de que quer dar tanto amor, que você seria uma burra se fosse embora. Vez ou outra se mostra arrependido, e a culpa da relação acabar vai ser sua porque não foi capaz de perdoar e tentar de novo.
O abusador te faz sentir pena dele por ser descontrolado, antes que você sequer tenha tempo de sentir algo por si mesma.
O abuso não é um contexto que começa repentinamente, ele é gradual. E o abusador usa as circunstancias favoráveis a ele para te inserir sem que a dor e as amarras sejam percebidas.
Em um certo ponto desse contexto a família já não tinha o mesmo afeto por ele, pois sabia que ele a fazia mal e não era de acordo com uma serie de atitudes. Mas ela já estava envolta, e como acontece na maioria dos casos, não conseguia identificar que era um abuso, muito menos conseguiria se desvincular tão facilmente.
Teve acesso a ajuda psicológica durante o pré-natal, mas não conseguiu explorar a oportunidade, pois ele como pai do bebê tinha o direito de a acompanhar nas consultas, impedindo assim que ela pudesse realmente se abrir acerca do que estava acontecendo.

Podemos identificar uma relação como perigosa e abusiva quando você não pode ser você mesma, quando sente medo continuamente, quando perde sua autenticidade e já não lembra como era antes desse relacionamento. Quando não se pode expressar suas ideias e defender seus direitos.
Ela perdeu o direito de manter seus amigos, de ter o contato que gostaria com a sua família, de usar as roupas que queria. Ela se tornou refém da sua própria vida, que agora era controlada por ele.
E porque ela não optou por sair dessa prisão?
Existem muitas dificuldades em sair de uma relação abusiva e essas podem ser emocionais e afetivas, jurídicas, sociais e econômicas. Em nenhum dos casos nos cabe o julgamento, o que nos cabe fazer para ajudar é criar/fortalecer os laços sociais que as façam sentir seguras, ouvidas e acolhidas.
Felizmente a Priscila conseguiu desvincular e teve sua família para te acolher. Ela continuava sendo uma adolescente com um filho recém-nascido, mas agora com as rédeas da sua própria vida nas mãos. Depois de muito tempo ela entendeu que não era burra, e sim que ele era um abusador.
Os traumas perduraram, as marcas no seu corpo também. Mais dolorido do que ver a flacidez e as estrias materializadas, era as perceber como uma bagagem de lembranças ruins daqueles dias tão sombrios. Sua autoestima foi surrada, a relação amistosa que tinha com seu corpo foi rompida. Ela não conseguia amar o que via diante do espelho.
Desde o inicio do nosso processo ficou claro que a sua estação seria o livre, o solto! E mesmo que em muitas imagens ela esteja dentro dos limites da estrutura de ferro, esta despida, por escolha própria. 
É disso que ela tem necessidade agora, de ser independente mesmo que inclusa numa relação, de ser livre para escolher, de viver sem amarras… de ser liberta!
Priscila é forte, íntegra e justa!
Ela soube usar o sofrimento para dar sentido a mulher que é hoje. Feminista e emponderada, que tenta sempre alertar outras quanto aos danos de permanecer numa situação de abuso.
Amiga que ajuda sem hesitar quando solicitada, sempre evidenciando uma empatia surreal.
Mãe que sente todas as imprecisões da maternidade, que sofre, mas que ainda assim ama desmedidamente.
Filha, que é saudosa pela presença física da mãe, que lutou até o fim para que ela permanecesse aqui, mas que é grata pelas escolhas que a vida fez, pois sabe que isso interrompeu um sofrimento maior.
Companheira, hoje inclusa numa relação singular, construída com base na liberdade e no reencontro diário.
Eu a retratei como eu realmente a vejo.
Imersas naquele local vazio, eu, ela e muitas marcas – as dela e as do lugar.
Em contraponto, ela sempre alicerçada a troncos de ferro – seus princípios – que te sustentam e impulsionam a seguir em frente.
A constância e estabilidade estão presentes em cada imagem. Na vida dela nem sempre foi assim, mas assim será daqui para frente. Esse é o meu desejo!
Minha gratidão por ter acesso a sua historia de modo tão completo, por compartilhar comigo detalhes tão dolorosos, mas necessários para que chegássemos a um resultado genuíno.
Eu vejo flores em você, e além, eu vejo intensidade, energia e uma vontade linda de ser melhor todo dia.

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