Honesta, sensível e alegre.
Acredita que sua jornada ganha sentido a cada vez que recebe, troca e soma amor com o outro, independente da forma.
Libriana com ascendente em peixes, muito tranquila, mas com pensamentos fervendo a todo tempo. Sonhadora.
Nos conhecemos após uma palestra sobre o Estação-Mulher, e a princípio senti uma docilidade gratuita vindo dela. É o tipo de pessoa fácil de encantar, nitidamente afetiva e delicada. Logo ali no mesmo dia ela sinalizou que gostaria de participar do projeto, e na mesma hora aceitei adentrar o mundo dessa mulher, que até então eu não conhecia.
Janaina é uma mulher gorda!
Não teve pai (seu genitor não a assumiu), e sua referência de pai na infância era seu avô, que faleceu quando ela tinha 4 anos.
Cresceu escutando que mulher gorda não arruma namorado, que mulher gorda não merece ser amada e para ter qualquer uma dessas coisas ela precisaria emagrecer. Rápido! Mesmo nas fases em que ela não estava gorda, ela assim se sentia.
Sua primeira paixão foi por um homem que a subjugava e nunca quis assumir a relação. E mesmo sendo um lance só casual, ela se sentia satisfeita com a pouca atenção que recebia dele. Foi a primeira pessoa que a fez se sentir mulher.
Se tornou uma mulher insegura. Não namorava e sofria bullying por ser gorda constantemente. Aconteceu uma serie de omissões e descuidos durante a vida até que Janaina se tornasse mulher.
Tudo isso contribuiu para se culpar por não receber o que gostaria, e por acreditar que nunca seria amada, sempre tentou corresponder as expectativas dos outros para compensar.
Lá em cima eu afirmei que ela é uma mulher gorda, e talvez isso cause uma certa estranheza para quem lê. Acredito que a palavra gorda nunca deveria ser entendida como um termo pejorativo. Ser gorda é uma característica e deveria ser visto como parte num processo de emponderamento. Entender que seu corpo é assim pode ser decisivo para o autoconhecimento e aceitação.
Venho reafirmando a cada trabalho e a cada experiência com essas mulheres que ser bonita é uma decisão única e exclusivamente sua. E hoje, eu recuo um pouquinho para esclarecer que não é tão fácil como eu gostaria que fosse.
A concepção do corpo na época renascentista é algo surreal de puro. Sempre existiu mulheres magras (fato!), mas para Michelangelo, Da Vinci e outros pintores renascentistas as mulheres gordas, as imperfeiçoes, a flacidez eram igualmente vistas como arte.
Notadamente vemos isso na pintura da vênus adormecida de Giorgione. Despida e totalmente inconsciente da forma do seu corpo, inserida numa paisagem e com seus membros sutilmente posicionados de forma erótica. É lindo, todas as formas são gentilmente únicas e lindas.
Engraçado que em todas as fontes que pesquisei, as interpretações sobre a obra sempre remetem a aspectos relacionados a paisagem e a docilidade do posicionamento do corpo. Nunca apontam sobre a forma do corpo em si.
Infelizmente, perdemos isso.
Vivemos hoje com uma falta de representatividade descomunal. Mulheres gordas não estão representadas nas artes, na TV, nas passarelas… Isso nos faz retroceder a passos largos e despencamos num contexto muito triste.
A solidão da mulher gorda!
E quando se fala em solidão de um grupo de pessoas fora do padrão, não se fala só de uma carência afetiva simples. Se fala sobre uma estrutura de opressão, uma opressão enraizada que contribui para que a confusão entre construção social e gostos pessoais seja perpetuada.
Elas são preteridas repetidamente. Preterimento afetivo existe e é muito comum acontecer com mulheres negras, gordas, mulheres trans e travestis…
Hoje, vamos nos ater as mulheres gordas.
A Janaina vivencia isso com uma dor imensurável, e sente o quão é cruel se encaixar no que a sociedade espera que sejamos. A linha é tênue entre ser você e ser o que esperam de você, a fim de impedir passar pela angustia de ser substituída.
Hoje ela inicia um processo de entrar em contato consigo mesma, com o que realmente é importante para ela, com o que pensa. Ainda não entende tão claramente o que esta experimentando, mas se deparou com um amor próprio que não tinha.
Consegue enxergar seus defeitos e qualidades, e tem conhecido a auto gentileza. Algo que antes só era oferecido e não saboreado.
Sobre se relacionar, ainda é difícil falar por conta de conflitos internos que ainda não tem clareza para identificar o porque acontecem, mas a sensação é que pela primeira vez ela está do seu lado, sendo paciente com seus processos e se apoiando.
Mesmo ainda não se sentindo fisicamente atraente, ela sabe que merece amor e atenção. E se gostar, gostar das suas curvas e das suas marcas tem sido crucial para manter esse entendimento.
Se despir é um ato político.
O Estação-Mulher foi o meio que ela escolheu para expressar essa demanda e se mostrar uma mulher visível.
Visivelmente cheia de qualidades, com um espirito gentil que acolhe e encanta quem se aproxima.
Se pudesse escolher, não teria algumas marcas, estrias ou cicatrizes, mas que se ama. E hoje esse amor tem sido fascinante para o seu percurso.
Agradeço por escolher esse espaço para despir seu corpo e sua alma.
Agradeço pela troca e disponibilidade.
Todas as nossas conversas foram enriquecedoras para mim, e em alguns momentos muito dolorosas, confesso.
Foi um presente pra mim, retratar você!
30/08/2018